domingo, 31 de março de 2013

para pensar: condenações

Esses dias atrás estava navegando pela internet quando me deparei com essa reportagem. Em inglês, usei o tradutor do google para ler, acredito se tratar de uma das muitas leituras obrigatórias aos operadores de direito, cujo final transcrevo:

"Para alguns juízes sentados no alto que nunca estiveram um dia na cela, talvez vinte e cinco anos aqui não seja tão cruel e incomum. Para pessoas que têm um apetite insaciável por vingança contra os presos que cometeram crimes terríveis, talvez a eles mesmos não importe o quão cruel ou incomum a minha situação é ou não é. Para as pessoas que não podem deixar de odiar e não sabem perdoar, nenhuma quantidade de remorso importaria, nenhum nível de contrição seria o bastante, apenas a retribuição interminável seria certa a seus olhos. Como o Juiz Milroy, apenas uma eternidade no inferno os satisfaria. Dado ainda que, em retribuição, porém, os inimigos implacáveis ​​não ficariam satisfeitos que o inferno fosse quente o suficiente; eles querem mais calor. Felizmente essas pessoas são poucas, pois na mente de muitas, em um ponto, o suficiente é o suficiente.

Não importa o que o mundo iria pensar sobre as coisas que não podem imaginar nem mesmo seus piores pesadelos, eu sei que 25 anos em confinamento solitário é totalmente e certamente cruel, ainda mais do que a morte ou por uma cadeira elétrica, câmara de gás, injeção letal, bala na cabeça, ou até mesmo imolação poderia ser. A soma do sofrimento causado por qualquer dessas mortes rápidas seria uma coisa pequena próximo à soma do sofrimento que este quarto de século na SHU me trouxe para suportar. Confinamento solitário para o período de tempo que eu tenho sofrido, mesmo para além das condições desumanas a que eu muitas vezes fui submetido, é de tortura de uma espécie terrível, e quem não pensa assim, certamente não sabe o que pensa.

Tenho cumprido uma pena pior que a morte."

Ainda neste mesmo sentido o artigo do Walcyr Carrasco em que o autor afirma:

"Historicamente, o cristianismo implica abandono do 'olho por olho, dente por dente', do Antigo Testamento e propõe uma sociedade mais tolerante. Mas os novos fundamentalistas querem punir, proibir. Políticos não evangélicos - incluindo os que estão em cargos de poder - obedecem, para manter coalizões. O filme Os deuses malditos, de Luchino Visconti (1969), mostra a ascensão do nazismo por meio da manipulação de uma família. Mostra os pequenos e grandes fatos que conduziram a Alemanha naquela direção. Agora, sinto um cheiro ruim de autoritarismo no ar. Há um recuo com relação a conquistas que implicavam na convivência entre os diferentes - a base da democracia, afinal. Quando uma lei pela moral e pelos bons costumes é sancionada, a agressão foi à sociedade. A deputada Myrian Rios é a ponta de um iceberg. Eu me pergunto: o que leva uma pessoa a achar que tem o direito de dizer como outra deve pensar e viver?"

Embora o primeiro texto não se refira ao sistema prisional brasileiro, ilustra a visão superficial que temos sobre ele. Às vezes penso que estamos na era dos condenados. Não sei se estamos obrigados a certo autoritarismo camuflado, ou se realmente aceitamos isso tudo por preguiça. Ainda acreditamos que não seja nossa culpa.

Como cidadãos contribuintes somos condenados à abusividade do Estado, ao dependermos do serviço público somos condenados à sua ineficiência. Ao dependermos do serviço privado somos condenados a ambas: abusividade das cláusulas, tarifas, atendimento péssimo. Democracia tem servido apenas ao lado mais forte e somos condenados a conviver com o pior de dois mundos, e não vejo nenhuma reação contrária expressiva. De longe parece que tá tudo lindo. E gente esquecida na cadeia, gente esquecida em fila de hospital. Gente que esquece de reagir. Gente esquecida. Condenada ao esquecimento.

domingo, 24 de março de 2013

fraquezas


A minha vontade de me expressar é tanta que eu aprenderia a tocar violão, violino, guitarra, gaita, violoncelo, faria curso de artes cênicas, de arte circense, de artes plásticas e do que mais o tempo me permitisse, se eu tivesse oportunidade também. Na época de escola eu era presença certa nos corais e teatrinhos, eu queria ser artista quando crescesse. Esse foi o plano durante muito tempo.

Minha infância se dividiu entre bonecas, folhas de papel e lápis de cor. Pintei a parede do meu quarto, pintei os quadros que tenho nas paredes de casa, já perdi a conta de quantas pessoas desenhei, pintei o muro de uma escola, já quis fazer curso de tatuagem, minhas apostilas do ensino médio pareciam cadernos de desenho... a última coisa que eu queria na vida era escolher uma profissão em que a aparência fosse essencial. Eu queria a liberdade de pintar o cabelo de verde e pentear pra cima, já que a gente se veste conforme se sente, e existem muitas cores lindas pra eu querer usar meu cabelo sempre da mesma cor.

Devo ter hiperatividade mental. Já falei muita abobrinha querendo brincar, descontrair, disfarçar alguma coisa. Já falei besteira por tirar conclusões precipitadas e deixar a irritação falar por mim. Já falei demais por achar que a sinceridade não precisa de limitações. Já me arrependi de ter silenciado muitas vezes. Acho sou que sou simplesmente viciada em falar, cantar, dançar, desenhar... meu estado de espírito nunca coube em só mim.

Aí coloquei na cabeça que essas minhas modalidades de tagarelice eram sinal de imaturidade e que eu tinha que aprender a lidar com isso. Mas se eu fosse uma pessoa madura de verdade talvez eu soubesse qual o limite do excesso e qual o mínimo pra não perder a identidade. Errante que sou eu ora me excedo e ora me anulo. Em outras palavras, falo de tudo que há de mais desimportante e fico quieta diante do que mais importa. Falo quando tenho que ouvir, pontos de interrogação me deixam confusa.

Mas uma hora a gente aceita o desafio de ser normal, mesmo que isso signifique fazer de conta que a vida não é tão louca. Que a racionalidade não é tão rara. Que o mundo não é tão cruel. Aceitamos as pequenas vitórias que fazem todo nosso esforço valer a pena. Descobrimos que somos iguais e diferentes e passamos a vida tentando distinguir nossas semelhanças e diferenças, tentando nos acostumar com as regras de convivência que criamos, tentando padronizar o que temos de mais particular. Adquirimos a paciência de um garimpeiro porque sabemos que o preço do achado recompensará a procura, o cansaço e os dedos sujos de terra.

Algumas coisas eu aprendi. Não precisamos de todos os meios do mundo pra nos expressar. Não preciso de todas as cores do mundo pra me identificar. Quem procura acha, quem se procura também se encontra, numa música, num lugar, num outro coração. Quem se encontra, encontra o sossego. Podemos sempre esperar passar a raiva antes de magoar alguém com as nossas “verdades”. Devo ser sincera com os outros como sou comigo mesma: compreendendo.

A maturidade não é uma mudança de atitude, é uma evolução, acontece naturalmente. Não é porque de repente fiquei com medo de falhar que automaticamente passei a ser eficiente. Apenas deixei de ser eu mesma. A perfeição não existe, tentar se aproximar disso é se afastar de si mesmo, se enganar e sufocar por dentro. É artificial. Eu quero aprender errando, com os meus próprios erros, minhas experiências. Quem diz que aprende com o erro do outro não entende, não sente, não se conhece por inteiro, não sabe do que fala e não vive o que diz. A virtude vem de dentro. Riqueza de espírito é ter consciência da própria fragilidade e assumi-la. É ter a deliciosa noção de quão precioso é o aprendizado. E aprender, aprender, aprender, aprender.

sábado, 16 de março de 2013

Além da espada, há uma balança


Depois de 5 anos cursando direito, 4 deles trabalhando no Fórum, um dos meus maiores aprendizados foi de que a justiça não tem uma fórmula padrão, tal como apenas encontrar um culpado e condená-lo. Se fosse assim, consideraríamos a terra um planeta-penitenciário lotado de bilhões de seres errantes. Ser justo é uma postura a ser buscada todo o tempo, através de interpretação e bom senso, porque existem dispositivos legais, jurisprudência e justificativas pra quase todos os lados. Pra trabalhar e vivenciar o direito em meio a toda opinião, revolta e ignorância de grande parte da sociedade, apenas se pode contar com a consciência limpa. Sem isso, nada valeria a pena. Vivemos em um mundo de aparências, corrupção e desconfiança. O mais irônico é que as pessoas que mais repudiam o governo, as autoridades e o comportamento alheio, também são as que menos demonstram questionar-se a si mesmas, sobre as próprias convicções e atitudes sem fundamento, muitas vezes ignorantes, egoístas, de simplesmente desacreditar no próximo porque, vai entender, “perderam a fé na humanidade”, curioso que essa mentalidade normalmente seja sinônimo de desconhecimento. Isso é inaceitável pra mim. Enquanto houver motivação pra trabalhar da melhor forma que eu for capaz, eu vou acreditar que também existe muita gente boa por aí fazendo o mesmo, e, antes que eu me desencante, eu vou procurar saber. Eu vou, pelo menos, ao ouvir uma acusação, procurar saber sobre sua procedência, sobre como eu poderia ser útil pra resolver, antes de colocar a culpa no outro. Eu quero poder oferecer às pessoas a chance que espero que elas me deem. Eu não vou aceitar prontamente tanta negatividade generalizada. Há muito a ser feito, e eu prefiro ocupar a mente com coisas boas, do que sujeitar a mente vazia à eterna rebeldia sem causa e à ilusão de que somos melhores que alguém. Quero jamais perder a sensibilidade, a humanidade, a ideia de que somos todos iguais, na alegria, na tristeza, na hipocrisia, na impulsividade e nos atos falhos, nas diferenças, nas incompreensões, nos sofrimentos e evoluções. A justiça terrena pode ser lenta, sem dúvidas é singela... mas um dia prestaremos conta, lado a lado, à mesma autoridade que nos deu o dom da vida. Somos todos imperfeitos, o poder do julgamento é o mais delicado que existe - embora a gente insista em querer exercê-lo - mas, a verdade é que, eventualmente, ainda seremos todos subjugados por ele. O que eu sempre tenho vontade de dizer é: coloque-se, a si próprio, no banco dos réus de vez em quando.