domingo, 16 de maio de 2010

Principal e acessório

Esses dias atrás um professor meu começou a falar que dentre os muitos, e cada vez mais numerosos advogados que ingressam no mercado, há muitos profissionais descompromissados com a ‘função social’ da profissão, ou o ideal de justiça, que deveria preceder o lucro. Ele disse isso com tanto desgosto que se eu fosse recém-formada provavelmente teria me ofendido. Mas nem é difícil notar o quanto ele ta certo. E o mais triste é que se a gente parar pra pensar, isso ta acontecendo com tantas profissões, em que só o que tem importado é o lucro. Em muitos casos o direito existe pra remediar isso, mas se os próprios operadores do direito tomarem o mesmo rumo, como é que fica?

Eu li um livro muito bom há pouco tempo, Freakonomics, que observa como existe uma relação de manipulação entre um especialista e um leigo, é simples e óbvio: quem detém o conhecimento sobre alguma coisa, usa sua condição pra manipular a outra parte, que precisa do conhecimento do especialista, e também não sabe avaliar o preço ou a apropriação do serviço, aí eventualmente acaba aceitando o que lhe é oferecido sem questionar, e isso abre espaço pra abusividade. Abusividade é violação a direito. Talvez seja só pra isso que existe a justiça: pra reparar os diversos tipos de abusos.

Mas aí se a gente pensar no advogado como um especialista, que ele é, e nos abusos que ele pode cometer, e eventualmente comete, é um paradoxo. Aliás, isso é quase sempre um paradoxo. Claro que todo mundo trabalha pra ganhar dinheiro, mas também pra ser útil, e não é difícil ver as pessoas querendo só o dinheiro, e não só deixando de serem úteis, mas também passando a ser o contrário, verdadeiros óbices ao desenvolvimento social. Aí eu poderia dizer que ultimamente só o dinheiro tem pautado as relações sociais, mas é só olhar pra trás e dar uma lida na história pra ver que há muito tempo as coisas são assim, mas como tudo também gira em torno do poder, talvez as coisas tenham piorado quando as relações de poder se estenderam a dimensões globais, e parece que em vez de estarmos sujeitos a alguma potência local, estamos sujeitos a todas, que também se sujeitam entre si. E nós que já fomos, sei lá, escravos, servos, artesãos, feirantes burgueses, operários, agora somos ‘a massa.’ E o que eles querem da gente desde sempre? Mão de obra? Consumo? Pra quê? Pra alimentar o poder econômico. A sociedade de massas representa isso muito bem, na medida em às vezes a dominação é tanta, que a sociedade se despersonaliza e vira uma massa mesmo. Sem opinião, sem identidade, sem consciência... com uma ilusão provocada de que esse vazio só precisa de uma boa casa, um bom carro, uma boa geladeira, um bom seguro... e assim sucessivamente. (E o celular então? A cada semana um mais revolucionário. Pra que serve celular mesmo? Pra fazer ligações ou deixar o consumidor insatisfeito sempre que sai um novo?) Cultura e propaganda se confundem. O mundo vira ao contrário e ninguém nem percebe. Em busca de dinheiro, tomam também a liberdade e dignidade das pessoas, porque elas não percebem – e elas não percebem. E assim se produzem profissionais desonestos. Porque tudo que importa é movimentar a economia. Não é pra isso que a massa serve?

Não tenho ideais socialistas nem nada, é que viver em função de dinheiro não dá. Eu não quero trabalhar pra integrar um sistema que me trata como massa. Não quero me resumir a isso. Quero ser útil a quem me vê como pessoa, coisa que só quem está próximo consegue. Dinheiro é conseqüência. Carros e TVs não fazem muito pela minha felicidade não, esse mérito ainda é todo meu, que eu sei. E pra minha felicidade há coisas muito mais sutis e intensas. Há sentimentos e sensações muito melhores. Há todo um universo mais interessante que um pedaço sujo de papel.

Tem aquela música do Frejat: “eu desejo que você ganhe dinheiro pois é preciso viver também, e que você diga a ele pelo menos uma vez, quem é mesmo o dono de quem...”

Ah, e que sempre exista amor pra recomeçar.

Pra recomeçar... ♪

=)